segunda-feira, 19 de março de 2012

Educar-se é Mudar

INTRODUÇÃO



Há um ano, Douglas Santos – especialista em Geografia Humana, Doutor em Ciências Sociais e um grande amigo da Integru – trocou conosco uma série de e-mails com ideias interessantes, para nos auxiliar na construção do conteúdo-base da campanha “Educar-se é Mudar. Para Melhor!”, iniciada em 2011.

Revendo estes conteúdos, percebemos a riqueza que tínhamos em mãos. Um conteúdo que não deveria ficar aqui guardado, mas sim, compartilhado! Afinal, compartilhar informação e conhecimento é fundamental para a educação – e conseqüente crescimento – do homem. Assim, compartilhamos com nossos leitores, um pouco desta riqueza, através do artigo a seguir. Boa leitura!



EDUCAR-SE É MUDARPor Douglas Santos

Quando nos referimos à educação, estamos procurando identificar os processos que permitem a transmissão e apropriação de conhecimentos que não são inatos. Chupar o seio da mãe, no geral, não é considerado um comportamento resultante de um processo educativo. No entanto, falar “papa” e “mamã” não cria dúvidas em ninguém: a criança aprende a emitir tais sons, com intenções previamente definidas, à medida que convive com adultos.

Pensando exclusivamente em termos humanos, a educação é o ato que cada um de nós realiza, voluntaria ou involuntariamente, seja na relação com outras pessoas, seja num ato absolutamente solitário (mesmo considerando tal ato, empiricamente, impossível) que, ao colocar em contradição os saberes que já possuímos, nos obriga a reordenar nossas ações (incluindo o ato de pensar como parte dessa lista de ações). Trata-se, portanto, de uma interferência no conjunto de nossos saberes (inatos ou não), que possa ser considerada como um aprendizado, isto é, como algo que se adquire para se responder a um novo desafio.

Os sujeitos que aprendem e as situações que ensinam não dependem diretamente da consciência dos participantes. Na verdade, não temos clareza sobre o momento ou a razão de existir da maior parte dos conhecimentos que possuímos. Assim, a maioria das pessoas não sabe por que motivo gostam de determinadas comidas, roupas, músicas, danças ou, mesmo, escolhem determinados companheiros(as) para viver ou onde aprenderam a falar a maior parte das palavras que usam no cotidiano. Acontece, no entanto, que a inconsciência do processo não o torna mais nem menos educativo. O que pressupõe a educação é, sempre, a experiência que nos obriga a mudar de comportamento.

O processo educativo é, sempre, carregado de contradições. Educar alguém é entrar em contradição com seus saberes, para que possam ser modificados. Educar-se é reconhecer os limites daquilo que já se sabe, levando-nos a rever o que, até certo momento da vida, nos parecia tão claro e verdadeiro. Todo processo educativo pressupõe, portanto, algum nível de conflito do sujeito consigo mesmo, com o mundo que o cerca ou com as pessoas com as quais se contradiz.


Assim, todo ato humano é potencialmente educativo, desde que o sujeito se coloque disponível para identificar suas próprias fragilidades.


A educação de cada indivíduo é, sempre, a condição que cada um de nós possui de tornar as experiências vividas no processo que, forjado e extraído da relação que temos com o mundo (e, portanto, com as pessoas do mundo e seus saberes), constrói nossa leitura pessoal sobre o viver, seus atos e seus significados.

Não temos como nos tornarmos o que somos sem que estejamos mergulhados na sociedade com a qual compartilhamos nossas contradições. Assim, falamos o que imaginamos ser correto, mas o faremos usando das palavras e da ordenação sintática disponibilizada na sociedade a que pertencemos. Temos nossos gostos, mas eles se constroem na relação que somos capazes de desenvolver junto aos sabores, cores, formas já existentes no mundo em que vivemos. É, justamente, nesse mergulho no que já existe que, contraditoriamente, construímos os novos saberes que irão marcar nossas vidas e, algumas vezes, as de muitas outras pessoas.

No sentido inverso, conseguiremos compreender o esforço dos “mais velhos” e das instituições como as igrejas, as famílias, a escola e tantas outras que participam diretamente do processo educativo. Todas elas, de forma mais ou menos sistemática, têm por objetivo (quando se trata de educação), disponibilizar às novas gerações um conjunto de experiências que se torne referência suficiente na construção de nossas identidades. É assim que aprendemos a falar, a andar, a comer, a brincar (no limite escalar das relações familiares e comunitárias) e a ler, escrever, fazer contas, produzir e identificar mapas, reconhecer e respeitar (ou não) a(s) religião(ões) (na escala de pertencimento à sociedade como um todo). Assim, identificamos nossos pais, falamos a língua que nos ensinaram, adoramos os mesmos deuses e chegamos a construir a noção de pertencermos a um país, uma nação, uma humanidade.




Douglas Santos
Geógrafo, mestre em Geografia Humana [1991 - USP] e doutor em Ciências Sociais [1997 - PUC-SP]. Professor em universidades no Brasil e no exterior, além de membro do corpo editorial da Revista Fluminense de Geografia. Entre diversos livros e artigos já publicados, é autor do livro "A Reinvenção do Espaço" pela Ed. Unesp.

Um comentário:

  1. José Eduardo Batista20 de mar. de 2012, 10:51:00

    Belo texto.
    E caiu como uma luva na minha condição atual a seguinte afirmação: "Educar alguém é entrar em contradição com seus saberes, para que possam ser modificados."
    Como pai de um garoto de 11 anos, em meio ao turbilhão que deve estar dentro da cabeça dele, não havia sequer imaginado que eu deveria é mudar a minha maneira de (tentar) ensiná-lo ao invés de querer fazer com ele do mesmo jeito que sempre fiz com os outros - e que fizeram comigo.
    O tempo é outro, a cabeça dele é outra, e eu não percebi que eu devia mudar a minha também ...
    Espero que aí esteja uma grande parte da solução que tanto tenho procurado e que isto me ajude a diminuir os conflitos que estamos passando na hora do aprendizado (antes, dele; agora, de nós dois!).
    Forte abraço ao Douglas e à turma da Integru!

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