por Daltro Salvador
*Artigo publicado originalmente na Revista Marketing Industrial #61 - set/2013
Faz muito tempo que se fala em Missão, Visão e Valores, e
praticamente qualquer empresa possui este trio de atributos em seus Planos
Estratégicos, em seus sites da Internet, em seus folhetos, lâminas, propaganda
etc. Mas, será que este conceito já não envelheceu? Será que a
administração das empresas não precisa de uma "reciclagem"? Onde está
a razão da sustentação deste trio por tantos anos? Como disse um comentarista,
"... às vezes, vê-se um elenco de altos Valores em uma empresa, mas ela
está cheia de reclamações no Procon...".
Quando, lá em 2003, fomos elencar estes atributos para a
empresa que estávamos fundando, nos inspiramos no significado de nosso próprio
nome - INTEGRU -, e dele extraímos a nossa essência. Ao terminarmos, a lista de
nossos valores estava totalmente adequada àquilo que estávamos conquistando e
que, hoje, atingimos com esforço, mas com muita satisfação!
Isso demonstra que a prática não está obsoleta e nem precisa
de reciclagem, desde que os valores sejam perseguidos com trabalho árduo e
estruturado. E, antes de tudo, que não sejam apenas ideias, desejos ou um mero
artifício mercadológico. Os valores estabelecidos devem ser verdadeiros,
percebidos pelas pessoas com quem a empresa mantém relacionamento por suas
ações e não como um simples item padrão de material de comunicação
institucional. Um consultor nos disse o seguinte: "Uma empresa que
apregoa seus valores deve estar sustentada por um tripé lógico: capacidade e
estrutura operacional para tê-los; permeável em toda a organização e em todos
os colaboradores; e que produzam resultados visíveis e perenes".
Isso não quer dizer que, se o tripé estiver "meio
manco", simplesmente devemos mudar ou eliminar os valores previamente
estabelecidos. Faz parte dos esforços diários de uma empresa agir para que
estes valores sejam verdadeiros. É assim que deveria funcionar: você estabelece
o que quer, de que maneira deseja, dentro de uma realidade possível, e realiza
esforços para que se concretize. Porque, ao estabelecer esse "como quer
que seja", em tese, deveria estar optando pelo que acredita ser o melhor,
além de apenas "ganhar dinheiro". Ou seja, você definiu o caminho que
deseja seguir, que resultará em ganhos além dos monetários. Basta apenas,
portanto, seguir o tal caminho.
A lógica parece simples e óbvia. Lendo qualquer texto sobre
planejamento e estratégias de mercado, tudo isso parece fazer muito sentido.
Então, por que muitas vezes não funciona? Porque muitas empresas têm lá sua
missão somente como um simpático adereço. Não sabem usar. Escrevem aquilo que
os seus clientes vão achar bonito, mas não seguem de fato, não é verdadeiro. No
final, torna-se uma paisagem inútil - e pode até mesmo ressaltar cenários
negativos de sua realidade.
Entre uma placa pendurada na parede, bonita, para todos verem
que a empresa tem uma definição para si de missão, visão e valores e a
consciência e, principalmente, o alinhamento de seus gestores sobre estes três
itens, mesmo que não haja nada escrito, preferimos a segunda opção.
Quando eu e meus sócios criamos a Integru, procurávamos por
algo a mais. Todos viemos de consultorias de informática, mas já com uma
bagagem de mais de 20 anos. Não éramos novatos ingênuos desejando apenas
eliminar os “intermediários que lucravam com o nosso trabalho”. Procurávamos por um modelo de negócios em concordância com
nossos valores pessoais. Os ambientes por que passamos tinham as pessoas como
números representantes de lucro ou prejuízo. Um cenário muito comum no mercado
de Tecnologia da Informação. Buscávamos criar uma empresa desejável para se trabalhar por
proporcionar uma boa qualidade de vida, com um bom ambiente de trabalho, justo
e enriquecedor para todos. Em que cada indivíduo percebesse que pode ser ouvido
e que faz parte de cada conquista. E que o mercado a desejasse como fornecedora
pela sua qualidade e valores corretos, importantes para quem busca uma
sociedade melhor.
Inicialmente, era um sentimento de aparência confusa, que ia
contra as possibilidades que o mercado apresentava, como se fosse impossível.
Organizamos essas ideias e desejos, começando pela definição do nome da empresa
- Integru - e na determinação dos nossos valores, como citado anteriormente.
Valores Integru
Este arcabouço todo nos levou a construir um modelo de
crescimento e de visão, que permite estarmos em contínua reavaliação em longo
prazo, mas com os pés bem centrados no hoje.
Como dito, falar (ou criar um texto bonito sobre o assunto) é
muito mais fácil do que seguir estas definições. Nestes dez anos de empreitada
nos vimos diversas vezes confrontados a situações que, aparentemente, eram
verdadeiros dilemas. Oportunidades tentadoras, mas incoerentes com o que
havíamos estabelecido para nossa empresa. Precisávamos nos estabilizar
financeiramente, porém percebemos que não poderíamos fazer isso a todo e
qualquer custo. Comprometeria os nossos valores e os resultados desejados.
Evidentemente houve “perdas” aparentes. Chegamos a nos
retirar de oportunidades ao perceber que o “prospect” em questão não
compartilhava de nossos valores, de nossa forma de atuar, ou que as negociações
nos levariam a adequações que prejudicariam a estrutura proposta. Mas essa
postura trouxe resultados futuros positivos.
O grande foco em “pessoas” também levou a investimentos
maiores em ações e estrutura apropriadas para este fim. Desde cartões de aniversário
personalizados com foto até um forte departamento de Gestão de Pessoas,
conduzido por psicólogas especialistas no assunto e pessoal dedicado ao
atendimento das necessidades de nossos colaboradores. Um dos grandes desafios,
no nosso caso, era o de manter o time da Integru unido, integrado à empresa,
mesmo que estivesse disperso fisicamente por clientes, situados por todo o
Brasil.
Para muitas empresas mais tradicionais, pode parecer um
desperdício de esforços e recursos. Porém, uma pesquisa que realizamos nos
cinco anos de empresa (em 2008) demonstrou que mais de 90% dos integrados (como
chamamos nossos colaboradores) estava satisfeito ou muito satisfeito em
trabalhar na Integru. Este número tem o reforço de outro mais importante: o turnover na mesma época era de apenas
5%. Quem conhece o mercado de TI, sabe que isto é um feito raro. Aliás, uma
raridade mesmo em comparação à média geral nacional da época, em torno dos 50%. Os benefícios decorrentes do baixo índice de turnover e alto comprometimento dos
profissionais vão desde a retenção de talentos e conhecimento na empresa até a
maior disposição para participar de projetos de inovação.
Hoje, dez anos depois, os resultados não poderiam ser mais
satisfatórios. A nossa postura funcionou como uma espécie de filtro, que
manteve por perto apenas as empresas e integrados com anseios similares aos
nossos. Atraiu pessoas que têm um olhar à frente, levando a parcerias na
realização de projetos e na co-criação de novas soluções, serviços e produtos.
Manter o foco da empresa, mercadologicamente falando,
torna-se bem difícil dadas as tantas oportunidades que surgem dessa liberdade
que nossos integrados têm para trazer novas sugestões, demonstrar e aplicar
conhecimentos de outras áreas. Porém, não fosse dessa liberdade, não teríamos
ampliado nosso leque de especializações - inicialmente éramos uma empresa de TI
altamente especializada no segmento de Meios Eletrônicos de Pagamento.
Atualmente, podemos oferecer um olhar especializado sobre aviação, saúde,
seguros e agronegócios, segmentos que também possuem características muito
específicas.
Quando encontramos uma solução ou serviço interessante, mas
distante do core business da Integru,
auxiliamos nossos parceiros na inovação como uma incubadora de empresas, até
que a “startup” consiga andar por
conta própria, podendo manter ou não uma sociedade com a Integru.
Também é trabalhoso iniciar e manter projetos e programas que
envolvam o time. Um deslize e a ação pode se transformar em um grande
transtorno para a imagem da empresa. Ao iniciar um novo projeto interno, é
preciso ter consciência de que a sua manutenção adequada e, quando aplicável, a
finalização é tão ou mais importante do que o seu início. Uma boa apresentação
de resultados auxilia no engajamento de futuros projetos. Reforça a
credibilidade.
Este exemplo é apenas um pedaço de algo que tenho vivido e
construído no meu dia a dia pelos últimos dez anos. Uma experiência que fico
feliz em compartilhar. Evidentemente que os propósitos e intenções de mercado
de outras empresas não precisam ser como os nossos - nem devem! Cada empresa
tem a sua identidade própria, a sua cultura. Em alguns casos ela se constrói
sozinha, como consequência às pessoas que passam por ela. Em outros, ela é pré-definida
por seus dirigentes, antes mesmo de nascer. Mas de um modo ou de outro, sempre
acaba sendo “top to down”, porque são
as decisões dos gestores que levarão a empresa por este ou aquele caminho.
Se você pretende definir - ou mesmo, redefinir - a missão,
visão e valores de sua empresa, procure pelo que for real e não pelo que for
mais bonito aos olhos do mercado. Mas, o mais importante: devem ser
verdadeiros. Uma vez que estiver tudo definido, não os esqueça. Seja íntegro
com o estabelecido. Reforçamos que não será fácil. Porém, são esses valores que
deverão ajudar você a tomar as decisões mais adequadas para sua empresa e a
orientar o seu time para que todos caminhem juntos, seguindo a direção certa.
Daltro Salvador
É CEO da Integru Soluções Corporativas, empresa dedicada à Tecnologia da Informação; também é membro associado do Instituto de Marketing Industrial.